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segunda-feira, 15 de outubro de 2012
Vilma Arêas e seus espaços, ventos e terra
Fluminense, estreou na ficção com Partidas (contos, Francisco Alves, 1976). Posteriormente, Aos trancos e relâmpagos (literatura infantil, Scipione, 1988) e A terceira perna (contos, Brasiliense, 1992) mereceram o prêmio Jabuti. Em 2002, Trouxa frouxa (contos) recebeu o prêmio Alejandro José Cabassa (44º aniversário da União Brasileira de Escritores) e, em 2005, Clarice Lispector com a ponta dos dedos (ensaio) recebeu o prêmio APCA, na categoria literatura.
Professora titular de literatura brasileira na Unicamp, Vilma Arêas vive há muitos anos em São Paulo .
Não sou crítico literário, nem tenho intenções; escrevo sobre o que gosto. Crítico sou de mim e do mundo que me rodeia, mas não da Literatura. Esta, mesmo sendo vida, é um tricô mais complicado. Enfim, vamos ao que nos interessa aqui, o caso de Vilma Arêas, ainda pouco conhecida pelo grande público, o que é uma pena.
A professora Vilma Arêas me impressionou com seu livro de contos Vento Sul - Cia das Letras, 2011 - como que trazendo uma nova onda de boa literatura: madura, firme e densa. Esse livro me chega às mãos pelo amigo Fábio Silvestre Cardoso que, junto com Rogério Pereira, fez uma entrevista sobre ela, na revista Rascunho - Curitiba-PR (http://bit.ly/zdvPAJ), por sinal excelente revista de Literatura, senão a melhor que temos.
Antes de ler o autor indicado, especulo, cavo, mexo, remexo, busco informações, vou ao “o senhor é meu pastor nada me faltará”, nome dado pelos alunos ao Google, enfim, cato e, daí, me chegam informações importantes como: a autora organizou poemas de uma diva minha, Sophia de Mello B. Andresen, escreveu sobre Clarice Lispector e gosta de Graciliano Ramos!
Em seguida, flagro, no Suplemento do Diário Oficial de Pernambuco, uma matéria sobre ela, assinada por Ronaldo Bressane (http://bit.ly/KjE63j), na qual a autora despeja o verbo sobre a literatura como um todo e também sobre si.
Muito bem, leio, então, o livro, numa tacada só, num dia de semana à noite. Impressiona-me. Chama-me a atenção seu imaginário, a poesia embutida em sua escrita e seu jeito urbano-rural, coisas, aliás, afastadas dos temas da prosa (refiro-me ao meio rural). Há um não sei quê que me junta a ela, faz-me celebrar com ela suas estórias, chego mesmo a sentir cheiros e texturas em sua escrita.
Às vezes, penso que estou lendo uma nordestina das boas, mas qual o quê! Ela é fluminense, de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, e há um cheiro de interior brasileiro em sua escrita... Aí, sim, tudo fica mais claro para mim, e quero vê-la, ouvi-la. Apelo para o YouTube e encontro um pequeno trecho de uma entrevista com Cadão Volpato – Metrópolis, TV Cultura – na qual o entrevistador titubeia alarmantemente frente à simplicidade de Vilma, mas diante do que ouço e do que vejo, apaixono-me por ela. Sou assim... há que me passar o fascínio, como assim também foi com Clarice, Nélida Piñon, Maria do Carmo Barreto Campelo, Sergio Santana, João Gilberto Noll, João Cabral, Guillermo Arriaga, o saudoso Carlos Fuentes e tantos outros.
Parto, então, para a leitura de outras obras suas, contos como A Trouxa (2005) e A terceira Perna (1998), em que encontro uma mesma tessitura textual, mas com maturidade diferente. De todo modo, desliza, em sua escritura, a poesia que ela tece opacamente, e em que risca o bordado de sua escrita de ponta a ponta.
Em A terceira perna, seu olhar lispectoriano é comprovado já nas citações iniciais, “uma nova terceira perna que em mim renasce fácil como capim” (Clarice Lispector), mas Vilma vai além e convulsiona em destreza nos contos Dó de peito e Seda Pura.
No todo dela, admiro seu jeito de falar e suas opiniões face aos grandes da Literatura, que ela traça de modo inteligente, direto e reto, mas densamente, passando por Clarice Lispector - sobre a qual tem uma obra - e fazendo críticas pertinentes a B. Moser, indo a P. Roth, Coetzee etc.
Suas imagens, esculpidas nas palavras, no meu imaginário, passam uma serenidade de gente que tem bom faro, que se esfrega ao solo para retirar o fermento de sua escrita e existência. Ela confessa isso nas entrevistas, em sua história, em seu caminhar como pessoa de bom tato e olho fino. Seus contos têm um ar de terra, vindo desses ventos que se espalham em nossas vidas e de que não nos damos conta, o seu tal Vento Sul.
Vilma corre manso e largo na sua escrita, sem rococós maiores, mas com estupefaciente exatidão do léxico, do ambiente no qual pinta e põe seus personagens e enredo. A estrutura do seu conto é breve como gosto e, no entanto, ao final, pensamos que lemos um romance, ela dá látex para isso na sua textualidade avantajada. As vozes polifônicas perfilam-se em amontoados de um brilho memorável.
Seus contos têm um quê do conto tradicional, na estrutura temporal, mas sem grandes delongas; na verdade, seu conto é uma pintura com bordas de arte abstrata, o que me lembra Sophia de M. Breyner Andresen, que ela tão bem conhece.
O livro Vento Sul encontra-se divido em quatro partes que, aliás, não compreendo o porquê, mas, enfim, percebo que nele se misturam contos e quase ensaios, ou poemas de um ar lispectoriano, já que nossa memória é associativa. Confesso que não gosto de tais comparativos, mas, enfim, saiu, está aí!
De cara, deparo-me com dois contos seus, Thereza e República Velha, contos que me deixam “embeiçado” pelo estilo, propriedades léxicas e concisão. Há uma poética do rompante que me eletriza na descrição do feminino, do lugar da mulher historicamente neste país, do ideal de amor e companheirismo; mesmo em passagens alucinantes, a autora tece filigranas poéticas com uma malha estética muito poderosa e de fauna inusitada, por sóis, ventos, bichos, gritos.
Se, em Thereza, tais fatos exalam as relações maritais, em República Velha, ela retorna para mais poetar: ela enverga o macho e torce-lhe, pelo amor e companhia. A puta não é uma qualquer, é aquela mulher eleita, que tantos querem como a verdadeira puta da vivência, do chamego, do objeto do desejo, da mulher, do homem puto que necessita de outro de sua laia e que, por vezes, não enxergamos, não queremos, ou não podemos. Sei lá o quê: Vilma insinua-me essas questões para o que convier, entre companheiros, é necessário nada e tudo.
O macho atende a si e, depois que desmascara a mulher com outro, passado algum tempo, conclui:
“[...] Dentro do silêncio que se fez, só quebrado por uns latidos de cachorro ao longe, completou já de pé:
-- Puta por puta, fico com ela que já estou acostumado”.
Não posso deixar de ler o silêncio cortado por latidos de cachorros, sim, cachorros que a autora nos oferece - leiam como quiserem - e a decisão do outro.
Em Habitar, outro conto, a autora é bachelardiana. Lembrei-me da Poética do Espaço, de Gaston Bachelard (1977): “[...] este é o ponto frágil da fantasia, que funda o absurdo, porque no íntimo ele sabe que a vida não vive. Negando a verdade cristalina, fingindo que não vê, parece que respira por um gargalo”.
Mas não está só aqui, neste conto. Perfila-se em todos os contos da obra, como antes já anunciei, e isso faz uma trilha com outros contos como: Encontro, Canto noturno de peixes, Zeca e Dedeco e, por fim, um grande conto-poema, O vivo o morto: anotações de uma etnógrafa: ‘[...] A seta está cravada no vazio.... neste ponto se esboça o gesto, abrindo espaço à poesia...”
Vilma é uma poeta e tanto e, lembrando minha saudosa Sophia de M. B. Adresen,
“Perfeito é não quebrar
A imaginária linha
Exacta é a recusa
E puro é o nojo”
(Mar Novo, 1958).
Paulo A C Vasconcelos- PauloVas
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