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Taynée Mendes, Jornal do Brasilhttp://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/12/04/e04124522.asp
RIO - Um escritor e sua amante testemunham um fato insólito: uma mulher literalmente cai do céu. Bartolomeu Falcato, personagem criado por Eduardo Agualusa para As mulheres de meu pai (2007), agora se vê transportado para 2020 em Barroco tropical, estreia do autor angolano na Companhia das Letras. No romance, Agualusa vislumbra o futuro de Angola: o fim do petróleo, o caos social, o medo.
“Esta é uma das vantagens da literatura em relação à vida: podemos sempre voltar ao princípio”, afirma o protagonista que volta atrás e descobre o passado da mulher que caiu do céu. Modelo e ex-miss de Angola, Núbia passou por camas de políticos e empresários até ser perseguida e torturada por denúncias feitas na televisão.
Personagens como mães de santo, curandeiros, militares golpistas e traficantes de drogas e de armas vivenciam uma hiper-realidade de dimensões fantásticas.
-- É um livro em construção -- afirma o escritor em visita ao Rio. – Todo ele foi escrito pelo escritor recorrendo ao material da cantora Kianda, sua amante. E o leitor só vai percebendo isso ao longo dos capítulos.
Eduardo Agualusa percebe que voou bem alto em relação aos seus romances anteriores:
-- Este tem uma exuberância que os outros não têm -- conta. -- Minha tendência sempre foi um estilo contido e não barroco. Há vários personagens e muito ruído em volta. Acho que o romance é barroco, mas também tropical.
Magia + modernidade = distopia
Atualmente Angola é um dos países que mais crescem no mundo, principalmente devido ao aumento das receitas associadas ao petróleo. E se um dia o combustível acabar, como no livro? Para Agualusa, o país mergulharia em uma crise social ainda mais profunda.
O cenário é pós-apocalíptico. Um prédio abandonado onde acontecem festas e prostituição ao som de kuduro (ritmo e dança dos jovens pobres de Luanda); um homem deformado que usa uma máscara do personagem Rato Mickey e frequenta um bar que nunca fecha; a Termiteira, prédio inicialmente destinado à burguesia emergente onde Falcato mora, foi abandonado e hoje abriga os mais ricos em seu topo e a ralé nos andares de baixo, além de mendigos e criminosos nas galerias do subsolo, onde a Menina-Cão é queimada acusada de feitiçaria.
No romance, a diversidade de personagens reflete um pouco o que o autor identifica como “cultura do excesso” presente na capital angolana.
– Luanda é um lugar de convergência, onde há pessoas de diferentes origens, culturas e posição social. Há aventureiros do mundo inteiro à procura de lucro fácil e camponeses que vêm do interior e carregam sua própria mitologia, um universo mágico.
Em uma narrativa que avança e recua no tempo, o romance traça um retrato da sociedade angolana atual onde tradições ancestrais convivem de modo nem sempre pacífico com a modernidade. O feiticeiro Tata Ambroise, por exemplo, possui um Centro de Saúde Mental que recebe apoio do governo e abriga doentes que vagueiam pelas ruas da cidade. Para praticar os exorcismos, Tata Ambroise costuma amarrar os tornozelos de seus pacientes com ferros e outras peças mecânicas. Inspirado em um lugar semelhante existente em Angola, o centro demonstra como a magia persiste com força no país.
– O Estado é ausente em muitos espaços, e esses espaços são ocupados por toda essa loucura urbana – afirma o escritor. – Esse manicômio dirigido por um curandeiro só existe porque o governo não está presente fornecendo saúde, educação e outros serviços básicos. Se o Estado falha, as pessoas vão procurar aconchego na magia.
Medo com maiúscula
Se o livro de Agualusa pudesse ser resumido em uma palavra esta seria medo. O medo está arraigado na cultura de Angola em que a desconfiança e o silêncio são características marcantes do povo, como demonstra um antigo conto africano, “A caveira falante”, relatado no livro. A moral da história é: questionar demais pode ter consequências graves. Assim, as crianças de Angola já são educadas para a dissimulação: “Viver sem pensar é uma arte difícil. Exige treinamento árduo”, escreve Agualusa, usando a voz de Bartolomeu Falcato. E continua: “Durante muitos anos vivi sem Medo. Escrevo Medo assim, com maiúscula, porque não estou a falar dos sustos minúsculos com que as pessoas comuns convivem no dia a dia: o medo de ser assaltado, o medo de que a polícia nos faça parar exatamente naquela noite em que bebemos um copo a mais (...). Quando escrevo Medo, estou a referir-me, em concreto, ao sentimento de permanente angústia e desamparo que aflige as pessoas com opiniões diferentes em países sujeitos a regimes totalitários”.
Barroco tropical faz alusão ao futuro, mas passa longe da ficção científica. Para Agualusa a realidade descrita no livro é potencializada a ponto de se tornar um pesadelo.
– A ideia foi tentar representar algumas dinâmicas que já estão presentes em Angola atual e como elas podem evoluir em um curto prazo de tempo – explica. – Não é uma ficção científica. Trata-se antes de uma distopia. A corrupção e a entrega do país a empresas estrangeiras são algumas dessas circunstâncias que no meu livro estão agigantadas.
Ainda que não se possa voltar atrás como na literatura, o escritor angolano acredita ser possível mudar a situação atual de seu país lançando mão do futuro.
– Acredito que em Angola há forças para conter isso e, se nada de concreto for feito, aquele cenário de pesadelo descrito no livro pode de fato ocorrer.
Integração lusófona
Muitos escritores africanos e portugueses estão sendo editados e lidos no Brasil, mas a recíproca nem sempre é verdadeira. O governo português apoia edições de autores lusófonos a fim de promover a língua. Agualusa defende que o governo brasileiro também deveria criar uma estrutura de apoio aos autores daqui que, à exceção dos clássicos e de um ou outro nome mais conhecido, não são lançados fora do Brasil.
– Os brasileiros não são lidos em Angola porque nem os angolanos são – diz ele. – Há um déficit muito grande de leitura em meu país. O principal desafio que o governo angolano tem de enfrentar é alfabetizar a população. Entre os poucos que leem, leem os clássicos dos anos 50, como Jorge Amado e Guimarães Rosa. Por isso acho que os autores brasileiros deveriam cobrar apoio do governo.
14:10 - 04/12/2009
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