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sexta-feira, 20 de novembro de 2009
Clarice como você nunca viu Cosac
Clarice Lispector por Claudia Andujar
retirado da Cosac
Publicada nos Estados Unidos em agosto de 2009, a nova biografia de Clarice Lispector, escrita pelo norte-americano Benjamin Moser, conquistou um destaque a que a literatura brasileira não está acostumada. Para citar apenas os grandes jornais, Clarice foi notícia no New York Times (em duas resenhas), The Times, Economist, Los Angeles Times, e chegou a ser comparada a James Joyce, Jorge Luis Borges, Virginia Woolf e Franz Kafka. Eleito o livro do mês na Amazon.com, já teve duas reimpressões. Aquela escritora misteriosa, de um país distante, com uma obra vasta escrita numa língua estranha, caiu no gosto dos leitores.
Se não é novidade que a obra de Clarice tem vocação internacional, a recente projeção que ela ganhou deve muito ao trabalho de seu jovem biógrafo, um obstinado que aprendeu português e ficou cinco anos imerso na vida e na obra de Clarice para apresentá-la ao leitor não lusófono. Não só alcançou o seu objetivo, mas impôs seu livro no Brasil como um marco nos estudos sobre essa escritora já tão bem estudada. Com o título Clarice, (lê-se “Clarice vírgula”), chega às livrarias brasileiras como o livro mais esperado deste final de ano, pelas mãos de um tradutor também clariciano, José Geraldo Couto. A obra dá continuidade à linha de biografias e memórias da Cosac Naify, que no ano passado lançou O santo sujo – A vida de Jayme Ovalle, de Humberto Werneck. A edição da biografia de Clarice conta com apoio da Suzano de Papel e Celulose, representada pelo papel Pólen®.
PESQUISA INÉDITA
Numa pesquisa inédita, o autor percorreu todos os lugares por onde os Lispector passaram, da agreste Podólia (região da Ucrânia) ao célebre apartamento no Leme onde a escritora viveria o resto da vida, passando pelo Recife da infância e as cidades onde Maury Gurgel Valente, seu marido diplomata, serviu.
Outro ponto alto do livro é a escrita de Benjamin Moser, que soube encadear numa narrativa envolvente trechos de textos de Clarice, de seus contemporâneos, depoimentos e documentos inéditos. Postas lado a lado, duas citações já conhecidas muitas vezes ganham um novo e inesperado sentido. Revelam-se, assim, aspectos desconhecidos da vida da escritora.
A habilidade narrativa de Moser também é visível nas relações que ele tece entre vida e obra. Como não poderia deixar de ser, o relato da vida de Clarice é pontuado por seus escritos. Não se trata de explicar de maneira reducionista a vida pela obra ou vice-versa; mas fazer com que uma funcione como caixa de ressonância de outra. Assim, a cada capítulo o narrador se volta para o livro que Clarice estava escrevendo ou publicando naquele momento, o que faz da biografia também um guia de leitura, uma porta de entrada para o universo clariciano.
JUDAÍSMO, DIÁSPORA E LITERATURA
Uma das principais chaves de leitura propostas pelo autor é a filiação de Clarice Lispector à tradição literária da mística judaica. Muitos já observaram que sua literatura não parecia “brasileira”, e que até mesmo em português guarda um raro sotaque. Benjamin propõe que o judaísmo, muitas vezes tido pela própria escritora como um dado circunstancial, seja posto no centro de sua escrita. Como afirmou ao repórter Rafael Cariello, “para os judeus, tradicionalmente, a experiência mística se dá sempre por meio da palavra escrita. Os judeus são místicos escritores. Não existe místico judeu que não escreveu livros. Ao escrever, Deus aparece porque, em hebraico, não é apenas a palavra de Deus que é sagrada, o próprio alfabeto é sagrado”. Para Moser, essa matriz judaica é “óbvia”, mas sempre foi menosprezada ou relegada ao segundo plano.
Segundo a leitura de Moser, ela teria herdado dos escritores da cabala como Abraham Abulafia um tipo de busca espiritual ou subjetiva que, desprovida do caráter essencialmente religioso, cria um poderoso efeito estético. Esse procedimento literário também já foi apontado, por exemplo, na obra de Kafka. Moser localiza não só na obra, mas na história de vida da biografada, pontos em comum com a tradição judaica: assim como o dela, os nomes que dominaram a literatura norte-americana no século XX, como Saul Bellow, Philip Roth e tantos outros, têm uma história familiar semelhante, de migração da Europa em condições adversas.
A FUGA DA EUROPA
Entre os documentos a que Moser teve acesso, está um livro inédito de Elisa Lispector, a irmã mais velha, também escritora, que já tematizara a história familiar em seus livros No exílio (1948) e Além da fronteira (1945). O inédito Retratos antigos foi a passagem que permitiu ao biógrafo enxergar os dramáticos episódios vividos pelos Lispector durante os pogroms que assolaram a Ucrânia na virada da década de 1910 para 1920. A partir dele, Moser reconstituiu, com base em relatos de sobreviventes, entrevistas feitas em campo e também com familiares da escritora, um quadro de horror comparável ao que se veria na Europa durante a Segunda Guerra. No entanto, as vítimas dos pogroms, como a família de Clarice – e em especial sua mãe – são menos lembradas que as do Holocausto. Outra irmã de Clarice, Tania Lispector Kaufmann, também foi uma importante interlocutora do biógrafo. O relato das andanças de Pinkhas (Pedro, o pai), Mania (a mãe), Elisa, Tania e a bebê Chaya (futura Clarice) por uma Ucrânia miserável (e depois por Alagoas), feito em cores muito vivas, é um dos momentos de grande impacto do livro.
Com base nessa pesquisa, Benjamin formulou uma tese: a de que Clarice sentia-se predestinada a salvar a mãe da doença adquirida durante a violência do pogrom. O peso dessa falha – Mania passou o final da vida inválida e morreria ainda jovem – ecoaria ao longo de toda sua vida e obra. O outro grande revés que enfrentou – a doença psiquiátrica de um dos filhos, num tempo em que isso representava um estigma fortíssimo e um tratamento doloroso para todos – completa o componente trágico identificado pelo biógrafo. Compreender sua dor como filha e como mãe ajuda a entender a escritora, mas sobretudo a humanizar o “monstro sagrado”.
O MISTÉRIO CLARICE
Não é de hoje que críticos, biógrafos, pesquisadores, jornalistas, artistas de cinema e teatro tentam decifrar Clarice Lispector. Seu rosto é reproduzido à exaustão em livros, na internet, em selos postais e até em literatura de cordel, tornando-se um ícone da cultura brasileira. O mistério estampado no rosto da escritora, no entanto, permaneceu renitente. Por isso é que, na edição brasileira, Benjamin Moser e a Cosac Naify apostaram não em imagens, mas numa narrativa, para dar conta desse mistério. O livro contém apenas uma imagem de Clarice: e mesmo assim seu rosto não aparece na capa, apenas na lombada do livro e numa foto interna, em projeto gráfico de Luciana Facchini. O título do livro em português – Clarice, – remete à proverbial vírgula que abre Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres.
VIDA LITERÁRIA
Para o leitor brasileiro é interessante conhecer a visão de um estrangeiro sobre o Brasil. Benjamin Moser aponta, por exemplo, o estigma que havia no país dos anos 50 e 60 em relação à psicanálise. Desde quando morou em Berna, Clarice teve diferentes terapeutas e psicanalistas; Moser procura reconstituir essas experiências, especialmente importantes numa escritora que fez da subjetividade a principal matéria de sua ficção.
Também é de grande interesse o retrato do mundo intelectual em que Clarice viveu. Sem ser exatamente enturmada na boemia intelectual ou “esquerda festiva” que fez a fama do Rio de Janeiro nos anos 50 e 60 – a ponto de ter sido “enterrada” pelo cartunista Henfil, que lhe cobrava engajamento político, em seu “Cemitério dos Mortos-Vivos”, no Pasquim –, ela cultivou sólidas amizades literárias, sobretudo entre os jovens escritores mineiros, como Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos. Na correspondência com eles – especialmente o autor de O encontro marcado – revela-se muito de Clarice, seu cotidiano e as questões literárias e editoriais em que se envolvia. Também aí a singularidade de Clarice pesou: a pecha de hermética fechara-lhe as portas em muitas editoras do país, e Sabino atuou como uma espécie de agente literário informal, ajudando-a a encontrar editor para seus livros.
Além dos amigos, as paixões da escritora pelo poeta e cronista Paulo Mendes Campos, com quem teve uma relação amorosa marcante, por Lúcio Cardoso, que não chegou a se concretizar, também são, em muitos aspectos, narradas pela primeira vez no livro de Benjamin Moser. Sem alarde ou sensacionalismo, ele sublinha a importância dessas relações que mal chegaram a se consumar para a vida de uma mulher que se separou antes da legalização do divórcio. Surge, na narrativa, uma dimensão trágica da geração de Paulo e Lúcio (e Clarice), uma das mais poderosas do ponto de vista criativo, mas que também enfrentou o alcoolismo, a repressão sexual e as agruras de produzir literatura numa cultura e numa língua periféricas.
A DONA DE CASA QUE ESCREVIA
Se hoje Clarice é um ícone no Brasil e uma descoberta no exterior, durante sua vida ela teve dificuldades para se inserir até mesmo no meio literário brasileiro. Vivendo no exterior, viu-se obrigada a negociar à distância a publicação de seus livros. Longe das irmãs, com quem se correspondia intensamente, e dos amigos mais próximos, via-se dividida entre as exigências do mundo diplomático, acompanhando o marido, e a liberdade da escrita, a pulsação da vida interior que muitas vezes se mostrava conflitante com os protocolos sociais.
Já separada de Maury e tendo que criar os dois filhos, ela passou a escrever para jornais e revistas, firmando-se também como uma de nossas grandes cronistas. Sob pseudônimo, assinou colunas de dicas de beleza e moda reveladoras de sua personalidade. Essa rotina jornalística, no entanto, não era facilmente enfrentada pela pessoa singular que foi Clarice Lispector.
Benjamin Moser faz uma viva reconstituição da rotina doméstica no apartamento do Leme, às voltas com empregadas, solicitações de leitores e fãs, um cachorro que tomava uísque e mascava bitucas de cigarro, uma secretária impotente diante do caos que lhe cabia organizar, os filhos, os amigos que fazia – e não raro logo perdia de vista, dada a intensidade que significava ser amigo de Clarice Lispector. Até mesmo o cabeleireiro e maquiador dela está entre figuras que gravitavam a seu redor – em seu depoimento, ele declara ter atendido Clarice enquanto ela dormia. São dessa época o incêndio de que foi vítima, durante o sono, e a participação acidental num congresso de bruxaria em Bogotá, episódios que contribuíram para certa imagem de extravagância.
Sem dúvida, a mais marcante das figuras que estiveram ao lado de Clarice no final da vida é Olga Borelli, que a ajudou a estruturar e consolidar seus últimos livros. Impressiona a reconstituição do método um tanto caótico como Clarice fazia suas anotações, e como Olga lhes deu forma. Foi Olga que a definiu como “a dona de casa que escrevia”.
PARCERIA COM A SUZANO
Seguindo sua estratégia de criar maior sinergia com o mercado editorial, a Suzano Papel e Celulose fechou parceria com a Cosac Naify para o livro Clarice,. A obra de Benjamin Moser foi impressa em papel Pólen Soft 80g, um dos produtos da linha de Papéis Não Revestidos da Suzano.
Os papéis da linha Pólen®, produzidos pela Suzano, compõem a primeira linha de papéis off-white desenvolvida para atender as necessidades específicas do mercado editorial e possui tonalidade diferenciada, refletindo menos luz e, assim, proporcionando uma leitura mais agradável.
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