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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Obras de Tereza Costa Rêgo

A MINHA DOCE AMIGA TEREZA, MEIGA, LINDA, HUMANA, UMA GRANDE ARTISTA NACIONAL,
PARABÉNS E SAUDADES
PAULO VASCONCELOS








Exposição homanegiea 80 anos da artista plástica
Foto: Beto Figueirôa / JC Imagem / Arquivo


Obras de Tereza Costa Rêgo aportam no Palácio dos Governadores
reprodução

Do JC Online
http://bit.ly/3QS3yo
Exposição homanegiea 80 anos da artista plástica
Foto: Beto Figueirôa / JC Imagem / Arquivo
A exposição Tereza de Todos os Tempos, que comemora os 80 anos da artista plástica Tereza Costa Rêgo, passa a ocupar o Palácio dos Governadores, em Olinda, após ficar em cartaz no Museu do Estado. A abertura foi nesta quarta-feira, às 19h

São 50 telas e 15 paineis - alguns inéditos - de uma das artistas plásticas pernambucanas de maior evidência no País. Entre o material, que data de 1948 a 2009 - destaque para O Apocalipse de Tereza, painel de 12 metros de comprimento por 1,80 de altura, que será apresentado pela primeira vez na exposição.

A exposição é aberta ao público, das 9h às 17h, e marca a reinauguração galeria de artes do Palácio dos Governadores, sede da Prefeitura de Olinda, que passa a ter uma comissão curadora para analisar as solicitações para futuras pautas.



TEREZA POR TEREZA
Filha de uma família tradicional da aristocracia rural de Pernambuco, fui a única menina, entre cinco irmãos mais velhos. Educada para ser a boneca que enfeita o piano na sala de visitas. Acontece que, um dia, eu saltei do piano e fui embora. Mas esta é uma outra história.

Lembro que a primeira vez que entrei num bordel foi na minha própria casa. Eu gostava de deitar no colo de meus irmãos, aparentemente para cochilar, mas ficava escutando as histórias que eram contadas entre eles e os amigos que freqüentavam a casa do meu pai. Fingia que dormia e entrava num sonho levado pelos detalhes das situações descritas por rapazes e, certamente, proibidas para uma menina de oito a dez anos.

Então comecei a achar que todas as coisas importantes só podiam acontecer no puteiro. Eram de lá que me vinham as informações do mundo, sobre decisões políticas, movimentos culturais. Lembro, por exemplo, que no fim da 2ª Guerra, quando Paris foi libertada, a descrição do momento histórico que recebi estava ligada a uma comemoração no bordel, entre marinheiros e intelectuais boêmios.

Assim eu sabia o nome das mulheres, das donas das pensões: Alzira, Djanira, Edite, Maria Maga... O Chanteclaire, o Bar do Grêgo, a Festa da Mocidade... Faz muito tempo, mas lembro com a mesma sensualidade das cenas no bar, no quarto, na cama. Existia sempre uma penteadeira cheia de frascos de perfume, espelhos e uma bacia, onde as mulheres lavavam seus homens e a elas mesmas, acocoradas nos tapetes, como enormes sapos coloridos.

Durante toda a minha infância e juventude, essas conversas foram criando uma realidade de cores e formas. O tempo passou na janela e eram tempos de muita repressão. Repressão política, religiosa, familiar e social. Tudo aquilo que escondido gravei era pecado.

A verdade é que muitas vezes entrei nos prostíbulos do Bairro do Recife, sem nunca ter atravessado sequer suas portas. Quando eu fiquei adulta, muitas vezes me convidaram para conhecê-los. Meu irmão Aloísio sempre prometia me mostrar o Bar do Grego, mas eu nunca entrei em um bordel. Não por preconceito ou censura, mas - ao contrário - para não matar o encanto que tanto fascinou as noites de minha infância.

O meu bordel é muito especial. Tem santos, tapetes persas, retratos de família, e um decor que nada tem a ver com os valores estéticos da Europa e das imagens de Toulouse-Loutrec em meus estudos de pintura. Não. Eu não queria isso. Eu queria o meu bordel imaginário, sem cortes, sem censura.

O bordel do Recife, dos anos 40 ou 50. O bordel de Carlos Pena Filho, Caio Souza Leão, Carrero, Bebé Seixas, Ascenso Ferreira. Eu não queria ver o lado escuro, sórdido, das noites prostituídas. Eu queria gravar o amor, a liberdade, o cheiro do mar, em uma cidade cheia de água por todos os lados, onde atracam marinheiros de todas as cores.

Tudo isso começou a crescer muito na minha cabeça e então eu resolvi vomitar todas essas informações, acrescidas do meu bom gosto, da minha imaginação, meus estudos de desenho e, depois, de pintura em grandes proporções. Havia um sentimento religioso de culpa e é engraçado... culpa do que apenas ouvi e fantasiei. Mas era como se eu estivesse lá dentro do prostíbulo, no pecado original.

Na cabeça de uma menina, isso fermentou dolorosamente. Virei uma criança à margem de meu tempo. Às vezes me sentia um personagem de livros que li cedo demais. Hoje, apagadas as culpas, conservado o encanto, aumentada a fantasia, acho um privilégio pintar esta série que foi gerada através do tempo. Todo o cenário é imaginário, pois acrescido do mobiliário com o qual convivi nas casas de minha família e do conhecimento arquitetônico que estudei no Museu do Estado.

Lembro da uma série parecida de Zé Cláudio, onde ele jogava uma liberdade às vezes cruel. Era uma maravilha. Meu trabalho é diferente. Mais analisado, mais reprimido, talvez mais fantasioso, mais velado, onde uso do exagero de detalhes, de objetos na cena pintada, tanto no decor, como nas personagens.

As mulheres cobrem os homens e os marinheiros são sombras que sempre iluminam os sonhos. Nos navios, no mar, no cais do porto.

A última etapa dessa exposição que definiu como série vermelha tem muitos momentos vindos de fases passadas, mas escrita numa pintura bastante solta. Os últimos quadros entram num universo novo da minha pintura, apontando para enfoques mais livres onde a tinta fala mais do que o desenho, mais do que a história. Diria mesmo, o tema antigo trabalhado em cor e forma, cor quase unificada no vermelho e forma quase solta da linguagem inicial. Nova fase sem com isso anular a ligação poética dos meus primeiros trabalhos.

Para que essa façanha fosse possível, eu precisei armazenar coragem que nunca tinha tido antes. Aí falava alto a minha família... E eu era jovem demais para um mergulho desse porte... e ainda havia o Recife, essa cidade cruel que me rejeitou quando pulei do piano da casa do meu pai. Então como na bíblia corri sem olhar para trás para não virar uma estátua de sal como Sara.

Mas na prática eu estava construindo um texto, um relato e não era um sonho. Eu queria pintar um poema. Um poema para meus irmãos e todos os irmãos da minha geração que iniciaram a vida no Bordel. É um poema também para as mulheres, que muitas vezes cumpriram não só o papel de amantes mas amigas confidentes, às vezes mãe para a esses rapazes meninos, para meus amigos homossexuais com direito a entrada e saída nas salas e nos quartos desse abismo. Eu queria um lado da verdade, o lado estético, um poema da cor e da liberdade.

Durante muitos anos pesquisei este tema através de literatura nacional e internacional, entrevista com os personagens pintados, recortes de jornais e revistas, objetos, fotos antigas e atuais, caricaturas e desenhos ao vivo. Enfim, um longo e sério campo de pesquisa, um longo e ambicioso exercício de pintura resultou na mostra atual, transformando-se que corajosamente exponho. Como dizia Carlos Drummond de Andrade "a casa foi vendida com todos os móveis, todos os pecados cometidos ou em vias de cometer, com seu vento encanado, sua vista para o mundo, seus imponderáveis". A porta está aberta.http://www.culturalbandepe.com.br

Tereza Costa Rêgo - Recife http://bit.ly/3d56zN

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